Minha cabeça girava e eu não conseguia pensar em nada, meu corpo foi tomado por uma sensação ruim e por mais que eu rezasse muito em pensamento tinha medo de que o pior acontecesse. As horas, os minutos, os segundos se passavam vagarosamente e a angústia só aumentava. Quando vi o médico se aproximando, senti um calafrio até a espinha e embora esperasse por respostas, no fundo tinha medo delas:
-Sinto muito - o doutor falou e eu senti um nó formar-se em minha garganta - Sua esposa teve uma hemorragia e infelizmente... nós não conseguimos fazer nada.
-Não, isso não aconteceu, eu não posso acreditar que a perdi pra sempre, não , não , não - falava aos prantos sentindo vontade de gritar, chorar, sumir.. morrer.
-Sinto muito - o doutor falava comovido - Ela não resistiu, mas a criança está bem.
Nada daquilo fazia sentido pra mim, do que valia Luana sem a Ana? Do que valia o meu casamento sem Ana? Ela estava bem, estava feliz, era jovem e saudável. Eu não conseguia acreditar, eu não queria acreditar. Minha mãe me abraçou tentando me consolar mas não adiantava, a única coisa que resolveria era se Ana aparecesse ali me dizendo pra ficar calmo, me dizendo que íamos ser felizes por muito tempo. Mas isso não aconteceu.
Alguns minutos se passaram e eu já não chorava mais. A mãe da Ana estava desesperada e o pai nem se fala, os dois choravam e tentavam um acalmar o outro. A dor que eu sentia continuava enorme no meu coração e eu continuava sem rumo. Minha mãe segurou minha mão e disse que eu não podia ficar daquele jeito, que Ana ia querer me ver feliz. Mas como? Como ser feliz sem ela?
-Vamos ver sua filha? - minha mãe perguntou e eu a encarei sem saber o que falar.
-Não, eu quero ver minha mulher. - falei levantando e indo a procura do médico.
Permitiram que eu a visse, e me acompanharam até o necrotério do hospital, eu mal podia acreditar que estava indo naquele lugar a procura da pessoa que mais amei na vida. O Doutor parou do meu lado antes de abrir o grande saco preto, me olhou como se perguntasse se eu queria mesmo aquilo, e então eu assenti. O saco se abriu e eu voltei a chorar imediatamente. Era minha mulher, ela estava morta e eu nunca mais a veria.
Dois dias depois, quando voltava de seu enterro, aonde encontrei os avós que ela tanto amava e pouco conviveu, recebi a notícia de que Luana já poderia ir pra casa. Pedi pra que minha mãe passasse no hospital e levasse ela pra casa deles , enquanto isso, fui para minha, pois precisava de um tempo sozinho, tentando digerir tudo, tentando aceitar. Mas como viver sem ela? Como aceitar que ela se fora para sempre? Como aceitar que ela sequer tinha realizado o sonho de ser mãe? Aquela altura do campeonato eu já nem tinha mais lágrimas pra chorar. Muito menos força.
Sentei no sofá exausto e encarei nossa foto do casamento em cima da mesa redonda que ficava ao lado do sofá. Peguei-a nas mãos e passei os dedos na imagem como se pudesse tocá-la uma última vez. Fechei os olhos e me lembrei dos acontecimentos contados na foto, o seu sorriso lindo. Sua felicidade estampada que eu nunca veria mais.
Ouvi a porta se abrir e olhei assustado pra ver quem era. Minha mãe entrava com minha filha no colo e atrás vinha Bruna e meu pai, meio tristes e felizes ao mesmo tempo pela nova integrante da família.
-Olha quem chegou - minha mãe veio pra mais perto e eu não sabia bem se queria a ver. Desde que Luana nasceu eu não tinha a visto, exceto na sala de parto, depois de toda aquela cena, que insistia em se repetir na minha cabeça centenas de vezes. Eu não vi minha filha, tampouco peguei-a no colo. Pra ser sincero nem queria vê-la naquele momento. Pensava que ao receber sua vida, ela tivesse tirado a vida de outra, da minha mulher. Se não fosse pela bebê tudo seria diferente agora, estaríamos felizes, sorrindo, brincando como fazíamos. Mas aquela criança levou tudo isso embora. E era isso que eu sentia.
Como eu poderia amar minha filha? Como poderia perdoa-la? E como olharia pra ela e carregaria ela no colo sem lembrar que ela era a culpada da morte da minha Ana? Eu sabia que estava errado pensando dessa forma, sabia que não era culpa dela, mas como acalmar meu próprio coração? Como dizer adeus a minha esposa e logo em seguida receber um bebê? Logo eu que não sabia absolutamente nada de criança, tampouco sabia ser um pai.
-Tira ela daqui - falei nervoso e subi pro quarto deixando meus pais me olhando com uma cara mista entre preocupação e tristeza.
Subi pro nosso quarto e abri o nosso guarda-roupa. Suas roupas ainda estavam ali arrumadinhas como ela sempre fez questão de deixar. Peguei uma a uma e tentava lembrar de quando tinha visto Ana usando-as. Algumas delas ela sequer tinha usado, porém eu imaginava como ficaria em seu corpo perfeito.
Passei horas fazendo isso, e só me dei conta quando a porta do quarto se abriu e eu tive que encarar o pai dela ali, na minha frente. Me olhou com pena e começou a chorar sem termos trocado uma só palavra. O olhei sem saber o que fazer e sentei na cama tentando não chorar.
-Você já viu a Luana? - ele perguntou tentando parar de chorar - Digo, agora? - assenti e respirei fundo, aquele nome trouxe de volta todos os sentimentos ruins - Ela se parece muito com Ana, não acha? - virei o rosto para o lado, eu não queria ouvir nada em relação aquela criança. - Ela é linda - ele continuou tentando forçar alguma palavra minha.
-Sinto muito, não quero falar sobre Luana - falei o encarando.
-Ela não tem culpa.
-Eu sei, mas não consigo. Ainda não.
-Ana ia querer que você cuidasse dela.
-Eu não posso, eu não sei cuidar nem de mim direito.
-Se não faz por você, então faça por sua esposa. Ou acha que ela ficaria feliz em vê-lo renegando a própria filha?- ele sabia tocar bem na minha ferida. - Ana ia querer que você tomasse sua filha nos braços e cantasse pra ela dormir . Você não pode dizer não à ela.
-Você não entende - disse voltando a chorar - Eu não consigo. Eu sei que Ana espera mais de mim, mas eu não posso olhar pra ela sem lembrar de tudo que aconteceu. Não posso olhar pra ela e lembrar que agora sou um viúvo. Eu não consigo.
-Então se esforce Luan, ela é a sua filha - ele falou se levantando e colocando a mão em meu ombro -É maravilhoso ser pai - ele sorriu emocionado - E também dói muito perder a única filha - falou saindo do quarto me deixando sozinho.
Quatro meses depois...
Passei quatro meses dentro de casa, sem sair pra canto algum. A saudade me sufocava de um jeito que eu jamais serei capaz de explicar. Eu via Ana em todo canto da casa, e sorria sozinho como se ela realmente estivesse ali. Nesse tempo não fui capaz de ver Luana, e tinha medo de conhecê-la. Foram 4 meses sem ver minha filha, minha própria filha, porque eu simplesmente ainda não conseguia.
Minha carreira estava estacionada, eu ainda não tinha conseguido voltar a cantar e todos entendiam. Não era uma decisão que levaria pra sempre, mas ainda não me sentia preparado para voltar a vida de antes, sem ela...
Minha mãe me visitava todo dia, cuidava pra que eu comesse e como mãe, ela não falhava nisso, só saia depois de ver que eu tinha comido tudo que ela preparara. Sempre trazia uma novidade nova de Luana, que ela chorava muito devido as cólicas e que a cada dia, trazia mais traços de Ana em sua feição. Além disso disse que ela já ficava sentada e que estava cada vez mais gordinha. Eu sorria mesmo sem querer saber daquelas notícias.
Sentei no sofá da sala e enchi meu copo de uísque. Era como se a bebida me fizesse esquecer de tudo, e era por isso que eu bebia muito, passava mal direto, mas como não tinha ninguém, eu mesmo me cuidava e limpava meus vômitos quando eu exagerava.
-Amor - senti as mãos de Ana me chacoalhando - Você bebeu de novo? - ela falava me dando sermão e eu a encarava perplexo.
-Você tá viva? Você não morreu, você... - eu falava eufórico a abraçando.
-Não amor, me escuta. - ela falava enquanto eu a apertava. - Eu estou muito preocupada, você tá bebendo demais.
-Eu juro não beber nunca mais, eu te amo tanto, não me deixa mais sozinho, eu não sou ninguém sem você, eu mal existo, eu..
-Lu, me escuta amor, a Luana não tem culpa, você não pode virar as costas pra ela.
-Mas não importa, agora você está aqui, vai me ajudar a cuidar dela, seremos felizes...
-Amor não estou aqui. Você vai ter que fazer isso sozinho, e eu confio em você.
-Não Ana, você está aqui e...
-Luan - ela segurava meus braços.- Não importa onde eu esteja, eu sempre vou ser sua esposa, sempre vou ser a mãe da Luana e sempre vou amar vocês, mas eu preciso que faça algo por mim - ela pediu com os olhos brilhando - Eu preciso que cuide da nossa filha, preciso que fale pra ela de mim,que mesmo sem ela ter me conhecido, eu a amo e sempre vou amá-la. Fala pra ela que nós lutamos muito pra tê-la e que infelizmente eu não pude cuidar dela em vida, mas que sempre cuidarei em espírito. Reage meu amor, eu preciso que você reaja. - chorava na minha frente e eu não sabia o que fazer - Cuida da nossa menina, traz ela pra nossa casa. Eu sei que você é capaz - pousou sua mão sobre a minha. - E por favor não pare de cantar. Suas fãs precisam de você, elas sentem sua falta. Eu te amo pra sempre.
Acordei atordoado com o sonho. Mas valeu poder toca-lá ao menos uma última vez, mesmo que em sonho. Olhei em volta e fiquei pensativo sobre suas palavras. Agora era a hora de eu encarar a realidade. Minha filha precisa de um pai, eu sabia disso. Na verdade, eu sempre soube. Mas agora era diferente, Ana mesmo tinha me pedido pra cuidar dela, eu não podia negar isso à ela. Eu tinha que me esforçar.
Tomei um banho e tirei a minha barba que estava muito mau feita devido ao meu descuido. Vesti uma roupa mais apresentável e encarei o meu reflexo no espelho. Sentia uma coisa boa dentro de mim, uma nova esperança, e eu sabia que era por causa da Ana. Passei um perfume e procurei a chave do meu carro.
Em minutos cheguei a casa dos meus pais que estranharam me ver ali, depois de tanto tempo.
-Onde está Luana?- perguntei antes mesmo de cumprimentar todos e eles me olharam surpresos e felizes ao mesmo tempo.
-Está no quarto dela dormindo - minha mãe respondeu.
-Posso vê-la?
-Mas é claro meu filho - ela levantou vindo animada na minha direção.
Subi a escada com um receio, não sei se estava preparado pra encarar minha filha. Não sei como reagiria. Não sei se já estava disposto a encarar ela com um outro olhar. Mas Ana pediu pra que eu cuidasse dela, e eu tinha a missão de falar dela pra nossa filha, e então eu faria isso.
-Você vai ver como ela está a cara da Ana - minha mãe falou sorrindo abrindo a porta em seguida- Vou deixar vocês a sós.
Entrei no quarto e minha mãe fechou a porta atrás de mim. Me aproximei do berço e vi ela sentadinha brincando com os próprios pés. Luana olhou pra mim assim que me aproximei do berço ainda receoso e sorriu me quebrando inteiro. Automaticamente eu sorri também.
Uma sensação diferente tomou conta do meu corpo, eu sentia como se meu peito fosse preenchido por uma alegria nova. Nunca imaginei que um sorriso tão angelical mudaria tudo que eu sentia, tiraria aquela dor que eu ainda tinha, e me traria aquela paz sem igual. 4 meses tinham se passado e minha filha já estava maiorzinha, mais gordinha e como minha mãe disse, era a cara da Ana, ou mais, ela era a Ana purinha. Passei o dedo delicadamente em seu rostinho e ela agarrou meu dedo sorrindo pra mim de novo. Foi então que eu senti que eu podia ser melhor. Parei de ver Luana como um problema, e a vi como uma solução, uma alegria, uma esperança.
Eu não podia culpar aquele ser tão ingênuo. Eu não podia odiá-la. E é claro que eu nunca a odiei de verdade, eu só precisava de um tempo. Ah, um tempo, que não me curou por completo, mas me fez poder olhar pra minha filha e sentir o desejo de pegar ela no meu colo.
-Vem cá no papai - falei com ela esticando os braços - Não deve ser tão difícil pegar uma criança - falei praticamente sozinho e a peguei no colo com um receio enorme - Como você é molinha filha - deitei ela nos meus braços com todo cuidado do mundo - É, pois é, eu sou seu pai - falei brincando com sua mãozinha pequena - Me desculpa por ter virado as costas pra você. Eu não conseguia no começo.- ela me olhava como se entendesse cada palavra - Mas agora vai ser diferente viu? Você vai pra casa comigo e juntos vamos ser uma família, do jeito que sua mãe sempre quis - já estava chorando mas não secava meu rosto com medo de deixa-la cair - E por falar na sua mãe, tenho uma história pra te contar, sua mamãe mora no céu sabia? - perguntei e ela balbuciava algumas coisas incompreensíveis - E ela tá olhando pra gente agora, sorrindo muito por ver você no meu colo tão quietinha. - falava sentindo sua presença - Agora seremos nós dois princesa.
Foram minutos, rápidos minutos que me fizeram a amar incondicionalmente. Foi ali, conversando com ela que pude entender o que é ser um pai de verdade, e acredito que eu fui. Beijei sua testinha e outra vez ela sorriu, ganhando mais meu coração.
Ana faria falta eternamente, e isso eu tinha certeza. Meu amor por ela não era só pra vivermos aqui, na terra, era pra sempre, era para além da vida. Ela seria pra sempre minha. Por que ela me prometeu, ela disse no altar, ela PROMETEU QUE SERIA SÓ MINHA. Aqui ou em outra vida! Nada mudaria. E nosso amor nunca será esquecido, porque somos como duas peças de quebra-cabeça, que se encaixam perfeitamente, e que separadas não fazem sentido algum. Agora, Luana era a terceira peça, e ela se tornou a minha nova razão de existência. Mas eu ainda tenho esperança de que um dia, estarei com minha Ana, pra sempre!
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